Carmim: Experimento Água (Recife)
A vivência de ontem, dia 20 de
setembro de 2012, foi única a começar pelo espaço, repleto de natureza e vida.
Um ambiente novo para o nosso olhar. Chegamos à Universidade Federal de
Pernambuco perto das 10h e fomos descobrir o espaço onde seria jorrada a nossa
água e descobrimos “O Lugar”, que de inicio possuía algo que incomodava algumas
pessoas, o chão era de cimento. Tratava-se de um quadrado descoberto, com
quatro árvores, próximo a corredores, com um ponto de água e uma mangueira
branca e grossa, que podia jorrar bastante água. Estabeleci contato com as
árvores me apoiando nelas, sentindo seu cheiro, abracei-as, tirei meus calçados
para sentir o chão, e olhei para o céu coberto pela copa das árvores, tudo isso
em busca de conhecer melhor aquele lugar. A monitora de fala tranqüilizante nos
chamou para mostrar onde seria nosso camarim e a seguimos até lá, deixamos
nossas coisas e fomos comer algo e voltamos para nos preparar. Nara chegou e me
ajudou com o vinho. No camarim foi aquela descontração, um ajudando o outro,
risos, uns brincavam, outros alongavam. Vestidos e maquiados, com seus
elementos de cena em mãos, Nara propôs um momento de concentração, ficamos
unidos pelos ombros em circulo girando para um lado e depois para o outro,
apenas nos olhando. Como tem gente bonita no Cruor! Olhava para aqueles rostos,
e sentia algo tão bom, era como se eles me dissessem “Hoje vai ser lindo!”. Me
senti uma pessoa de sorte por estar ali. Depois começamos a organizar o cardume
e balançar, balançar, balançar, respirar junto, até nos transformarmos em um
corpo só, com um só som, uma só respiração. Um corpo pulsante. Nara pediu que
começássemos a pegar nossos elementos de cena e caminhar para a porta de onde
iria sair nosso cardume, foi ai que eu tive a certeza de que não estava
sentindo esta unidade sozinha, pois todos saíram do bolo para seus elementos no
mesmo ritmo, caminhamos para a porta possuídos por uma concentração que nunca
tinha acontecido antes.
Chegando
ao ponto de partida, nos recolocamos em cardume e voltamos a balançar,
repetimos o que havíamos feito dentro do camarim, só que dessa vez com os
objetos. Patrícia estava do meu lado e em um momento acabou deixando seu pincel
cair espalhando um pouco de tinta vermelha no chão, levei um pequeno susto na
hora, mas quando vi a imagem que havia sido construída no chão, pensei: essa ação
já estava pintada de alguma forma. O lugar estava cheio. À medida que balançava
ficava no limiar entre olhar aquelas pessoas e fechar os olhos. Fernanda
começou a tocar e o corpo começou a andar até que aos poucos foi se
fragmentando, cada órgão foi ganhando sua autonomia dentro daquele espaço.
Fiz
tudo diferente, pouca coisa se manteve do que já havia feito. Senti minha
partitura de ações mais madura. Andei até um ponto e parei numa imagem
diferente da de costume e olhei ao redor, um cara me olhava e mantive meu olhar
no dele, peguei meu vinho e fui andando até ele como os olhos fitados nos dele,
ofereci-lhe o vinho e sussurrei em seu ouvido a poesia desenvolvida no
laboratório, da mesma maneira como fiz das outras vezes, a diferença era que lá
estabeleci outra regra: Só iria oferecer vinho àqueles que me encarassem sem
desviar o olhar. Muitas pessoas se incomodaram e desviaram a atenção para outra
coisa, alguns, se envolveram de tal maneira que quase fui beijada. Sandro me encontrou, nós brindamos e ele
roubou meu vinho. Foi aí que minha cena mudou do vinho para a água, comecei a
por para fora partituras feitas no laboratório, que até então tinham ficado
adormecidas. Arrumei meus cabelos e a medida que arrumava meus cabelos comecei a
bater na minha cara, borrando meu batom: “Yo soy la desintegracion”. Sandro
apareceu na minha frente dançando com o vinho e eu comecei a dizer para ele, em
voz alta, a poesia que sussurrei nos ouvidos e ele me afogou de vinho e me
deixou. Me veio uma imagem de “Tudo Sobre Minha Mãe” em que a mãe teve um caso
com um travesti. Me recuperei, tirei meus sapatos, Helo lavou os meus pés,
tentei transformar meus sapatos em ombreiras. Helo lavava meus pés
apressadamente, como se quisesse tirar toda a sujeira de minha alma. Deixei-a
calcei meus sapatos e voltei a encarar as pessoas. Encontrei Sandro novamente e
começamos a dançar com a garrafa dele no meio de nossos corpos, segurada pela
barriga e Lulu disse: “Quando eu beijo, pinto gametas molhados” (algo assim) e
eu e Sandro começamos a nos beijar, sem perder a dança que já estava sendo
construída. A ação foi interrompida pela garrafa que caiu e cada um voltou para
a sua partitura isolada. Peguei a garrafa e voltei para a minha ação inicial.
Encontrei Lulu manca com sua bacia e lhe dei uns goles de vinho deixando o
liquido escorrer pelo seu corpo. Tive minha garrafa roubada de novo por Sandro,
nós dois brindamos e fui afogada de novo com o vinho. Fui para o chão e o texto
que falava enquanto estava sendo afogada com a mangueira nas intervenções anteriores começou a ser dito no chão, me levantei
repetindo o texto e vi a mangueira jorrando água como um chafariz, fui até lá e
me banhei como a Camem Maura em “A Lei do Desejo”. O texto que antes botava
para fora como se estivesse sendo estuprada agora era dito com prazer. A
mangueira jorrava água numa imagem tão linda que não precisava mais de nada,
acabei minha ação ali. Andei até um ponto e parei, Lulu também foi para lá, ela
ria de Keila que carregava Pateta. Keila chorava e Lulu gargalhava daquilo,
todos se uniram novamente e o Corpo voltou a andar junto rumo ao camarim.
Aplausos. Para
mim o Carmin: Experimento Água, nunca foi tão aplaudido. Meu coração aplaudia
também. Perguntei pra Helo o que ela tinha achado e ela disse que ficou
querendo voltar, eu também queria.